O ser humano nasceu por meio de histórias. Ao longo da nossa jornada, a ação de narrar é tão natural quanto o de respirar… atravessam gerações os contos, os mitos, as fábulas, os discursos que movem a sociedade, seja para retratar o indizível, o mágico, o sobrenatural ou até mesmo para dar luz às trevas da dor, do desespero, da perda. Sentimos e contamos e recriamos nosso universo infinitas vidas dentro de uma única existência e essa paixão pelas narrativas humanas ganham novos espaços com o passar das tecnologias. Antes, memorizadas nas cantigas dos princípios das civilizações, as Ilíadas e Odisséias hoje se transmutam em livros, e esses em filmes, e depois em séries… A arte ganha novas roupas, mas a essência linguística é a mesma: não é apenas comunicar, é emocionar.
E como as emoções são vastas, nossas habilidades também o são… Entre elas, observo com assombro e uma pitada de nostalgia quando a cada ano ouço os discursos de paraninfos e formandos em seu dia de glória ao receber a conclusão escolar. Como professor, esse rito de passagem já deveria ter perdido a graça… No entanto, cada ano é único. Fecho os olhos e sinto o arrepio na pele e aperto na garganta quando vislumbro a lembrança daquela formatura em particular: a de meu próprio filho.
O que dizer aos mais de 90 formandos que estão para iniciar os primeiros passos da vida adulta? O tradicional: a vida não dá garantias? Mas - e se entre eles - está quem lhe deu o próprio sentido da existência? Não, meu discurso jamais seria o mesmo, pois naquele momento eu mesmo já não era o que sempre fui. A emoção tomou conta do meu discurso e soube, ali paralizado de torpor e graça, que a comunicação emotiva é capaz de transformar as pessoas. Entre lágrimas de júbilo e a dose certa de ironia, trouxe ao palanque cada sentimento de pais e mães presentes, todos eles mestres de alguma forma daqueles 90 reluzentes adolescentes. Ao final da minha fala, que parecia ser a eternidade embutida nos infinitos dois minutos do cronômetro escondido sobre a mesa, uma chuva de aplausos e o fungar de outras lágrimas escorridas pelo salão.
Para além do meu próprio âmbito pessoal, o discurso, enquanto gênero, é historicamente poderoso em diversas esferas. É interessante pensar que Steve Jobs, mesmo sem nunca ter completado o ensino superior, fez em 15 minutos uma lição para a vida inteira, ao discursar aos formandos de Stanford em 2015. Sua fala, pautada em três histórias pessoais, revela-se até hoje um mar de incentivos e análises para qualquer momento da vida. Martín Luther King também marcou a História ao proferir o seu sonho, durante a grande marcha nos Estados Unidos, nos anos 60. Décadas mais tarde, o desejo por igualdade ardia em outro país e foi Nelson Mandela quem trouxe cores à Àfrica do Sul durante seu discurso de posse em 1994, quando desejou uma nação arco-íris e promoveu o fim da segregação social.
Abelhas, golfinhos, macacos, formigas… e tantos outros animais também se comunicam e se organizam socialmente, mas o que nos difere deles é a nossa comunicação emotiva. Enquanto houver sentimento na linguagem, continuaremos contando histórias e construindo os discursos que mudarão os rumos da nossa evolução.
Essa crônica foi produzida em resposta à proposta de redação do simulado online promovido pela Fuvest em 25 de abril deste ano. O tema exigia que a crônica abordasse uma situação evidenciando uma comunicação emotiva. Para saber mais sobre redações e vestibulares, entre em contato e agende sua avaliação gratuita.
Gabriela Dimárzio - professora formada em letras pela Unicamp, pós-graduada em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Especialista em produção e revisão textual, gramática e aplicação de normas. Avaliadora de bancas de redação e língua portuguesa em vestibulares, Enem e concursos públicos.
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