“A linguagem não é usada somente para veicular informações”. A máxima do antropólogo Maurizzio Gnerre pode ser lida em sua obra “Linguagem, Poder e Discriminação”, na qual ele disserta como a capacidade humana de usar a língua ultrapassa a mera comunicação: ela é um verdadeiro instrumento de poder. Tal questão fica nítida também na colocação do filósofo alemão Martin Heidegger, ao afirmar que “o cuidado é em vão se a linguagem continuar apenas a nos servir como um meio de expressão”. Logo, a tríade “linguagem, emoção e comunicação” precisa ser analisada com profundidade.
A propaganda é uma das áreas que mais explora essa relação triangular. Em 1987, o Jornal Folha de São Paulo utilizou uma imagem pixelada do ditador Hitler, enquanto se propagavam feitos - aparentemente positivos - de seu governo na Alemanha. À medida que o texto falado ia chegando ao final, o retrato de seu rosto era finalmente visualizado. O choque entre a abordagem oral e a não verbal completava-se com a sentença: “é possível contar um monte de mentiras dizendo apenas a verdade. Folha de São Paulo: o jornal que mais compra e nunca se vende”. Nesse exemplo, a força expressiva da dicotomia comprar e vender não se restringe ao ato comercial cotidiano de consumir as informações do jornal. Ao contrário, explora os sentidos da linguagem para demonstrar a integridade da instituição Folha, bem como serve como uma ironia ao escolher a representação de uma das figuras mais icônicas da História e seu poder devastador, o qual foi sumariamente conquistado por meio de discursos habilmente inflamáveis. O que Hitler fez não se atém unicamente à condeção de milhões de pessoas mortas no holocausto, mas como a emoção gerada em sua comunicação promoveu a aceitação desse discurso entre aqueles que o consideravam o verdadeiro “Fuhrer” da nação. Logo, a linguagem é poder.
Por uma outra perspectiva, a neurociência comprova a asserção acima. Não à toa, a célebre frase “penso, logo existo” de Descarte sintetiza esta regência: pensamento e emoções precedem a fala. E a linguagem é idiossincrática, ou seja, é como uma marca digital inegável do processamento cerebral e linguístico. Portanto, a comunicação sofre interferência constante das emoções, uma vez que - ao interagir - o ser humano não está desassociado do sentir. É comum que pessoas desequilibradas emocionalmente se comuniquem com pouca assertividade ou até mesmo de modo agressivo; assim como é necessário autocontrole para que o inverso aconteça. Uma postura estóica exige controle do pensar e do sentir, para que o falar/comunicar seja racionalmente assegurado. Portanto, novamente, quando tem-se um hábil orador, capaz de manipular suas próprias emoções na interação social, há um quadro aberto para manipulação daqueles que não detém o mesmo nível de conhecimento linguístico e emocional.
Por fim, retomando Heidegger, o papel da linguagem não deve ser exclusivo de servidão ao homem, como se este fosse seu Senhor. Ao veicular as emoções e tornar-se capaz de propositalmente ou não interferir na comunicação humana, a Linguagem - com L maiúsculo - assume seu papel como Senhora dos homens, que passam a olhá-la com a devida veneração, pois é a partir de dela que tudo no universo toma forma. Assim, a vassalagem linguística dá espaço para a criação das relações comunicativas poéticas, vívidas e do real sentido de existência. A língua é poder.
Essa dissertação-argumentativa foi produzida em resposta à proposta de redação do simulado online promovido pela Fuvest em 25 de abril deste ano. A dissertação abordava o tema: “as emoções e sua interferência no processo de comunicação”. Para saber mais sobre redações e vestibulares, entre em contato e agende sua avaliação gratuita.
Gabriela Dimárzio - professora formada em letras pela Unicamp, pós-graduada em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Especialista em produção e revisão textual, gramática e aplicação de normas. Avaliadora de bancas de redação e língua portuguesa em vestibulares, Enem e concursos públicos.
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